segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Resenha de "Kafka à beira-mar" (Desafio Murakami #04)


Ooooolá pessoinhas, tudo bom?

Hoje trago a quarta resenha do Desafio Murakami. Realmente espero que gostem! Esse livro é muito profundo, então fiz uma resenha escrita & uma resenha em vídeo. As resenhas se complementam, espero que curtam ambas!




“E você vai atravessá-la, claro. Falo da tempestade. Dessa tempestade violenta, metafísica e simbólica. Metafísica e simbólica, mas ao mesmo tempo cortante como mil navalhas, ela rasga a carne sem piedade. Muita gente verteu sangue dentro dela, e você mesmo verterá o seu. Sangue rubro e morno. E você vai apará-lo com suas próprias mãos em concha. O seu sangue e também o de outras pessoas E, quando a tempestade passar, na certa lhe será difícil entender como conseguiu atravessá-la e ainda sobreviver. Aliás, nem saberá com certeza se ela realmente passou. Uma coisa porém é certa: ao emergir do outro lado da tempestade, você já não será o mesmo de quando nela entrou. Exatamente, esse é o sentido da tempestade de areia”. – Prólogo.


Antes mesmo de eu saber qualquer coisa sobre o Murakami como escritor eu já havia ouvido falar de Kafka à Beira Mar. Não iria tão longe a ponto de dizer que é seu livro mais famoso – acho que 1Q84 é sua obra mais famosa – mas eu sempre tive curiosidade de ler esse livro. Mas ele é muito longo, um dos mais longos do Murakami, e eu acabei deixando essa ideia de lado por um tempo.



Quando finalmente comecei a ler o livro eu me deparei com uma história diferente de absolutamente tudo o que eu imaginara. O livro inverteu todas as ideias e pressuposições que eu tinha em relação à história. Não foi um livro perfeito, mas com certeza foi um dos livros mais inovadores e únicos que já li.



“Certos tipos de imperfeição tornam uma obra potencialmente mais atraente por causa da imperfeição – ao menos para certo tipo de artista”. – Capítulo 13.



O livro conta com duas narrativas paralelas que, exceto por alguns momentos extremamente esporádicos, praticamente não se encontram. 



Primeiramente somos introduzidos a um menino chamado Kafka Tamura. Ele está prestes a completar 15 anos e está planejando a sua fuga de casa. Kafka precisa fugir de casa pois seu pai, um escultor famoso, profetizou que ele estupraria a mãe e a irmã e mataria o próprio pai ao fazer 15 anos. Kafka quer fugir desse destino e, por isso, faz uma mala com tudo de que precisa e pega o primeiro trem para o lugar mais longe que consegue imaginar. Mas fugir da profecia pode ser bem mais difícil do que ele imagina, uma vez que sua mãe abandonou seu pai quando ele nasceu e ele não sabe para onde ela foi, ou qual é a sua aparência.



Claro que já vemos grandes semelhanças desse plot com a tragédia grega de Édipo Rei. Pela primeira vez fiquei feliz por ter lido essa peça na faculdade. Édipo é um garoto inteligente e forte, filho de simples agricultores. Quando atinge a maioridade, o oráculo local profetiza que ele está destinado a matar o pai e dormir com sua mãe. Horrorizado, Édipo decide abandonar sua família e se aventurar longe da cidade onde cresceu. Ele acaba derrotando um terrível rei, tomando seu lugar e se casando com a antiga rainha, uma mulher mais velha. Édipo faz tudo isso sem saber que ele, na verdade, era filho desse rei e dessa rainha, e que seus pais agricultores eram pais adotivos.



Claro que a história de Kafka Tamura é apenas distantemente baseada em Édipo, ainda que tenhamos vários dos elementos clássicos presentes na obra. A questão da imprevisibilidade e inevitabilidade do destino é muito trabalhada no romance – nossas personagens estão cercadas pelo fatalismo. Ao mesmo tempo, Murakami aborda de forma inovadora a questão da hamartia – a grande falha que leva um herói à sua ruína. Nas tragédias gregas era imprescindível que um herói tivesse uma falha fatal que fosse a responsável por sua queda. No caso de Édipo, sua falha era a ignorância de seu destino e sua vontade de viver de forma honesta a todo custo. Em Kafka Tamura, as coisas são bem mais complicadas.



“As pessoas são arrastadas para tragédias cada vez maiores em virtude de suas qualidades, e não de seus defeitos. Exemplo marcante disso é Édipo Rei, de Sófocles. A tragédia de Édipo não é produto da indolência ou da estupidez da personagem, mas de sua coragem e honestidade. O que, inevitavelmente, vem a ser uma ironia”. – Capítulo 21. 



Kafka consegue fugir com sucesso. Ele vai parar numa cidade distante na qual existe uma biblioteca dos sonhos, a Biblioteca Memorial Komura. Essa biblioteca é um centro de pesquisa para aqueles que estudam arte, história e literatura japonesa. Após se tornar amigo do bibliotecário e conseguir um lugar provisório para viver, Kafka pensa que não precisa mais se preocupar em ser o assassino de seu pai. Até o dia em que ele vê na televisão que seu pai foi cruelmente assassinado e que a polícia está em busca de seu filho desaparecido. Para piorar, Kafka teve um episódio terrível de amnésia no dia em que seu pai foi morto.



“Deuses gregos são seres mais míticos que religiosos. Ou seja, possuem os mesmos defeitos emocionais dos humanos. São temperamentais, lascivos, ciumentos e esquecidos”. – Capítulo 17.



A outra linha narrativa que se desenvolve é a do idoso Nakata. Nakata é minha personagem favorita do livro, talvez até mesmo seja uma das minhas personagens favoritas de toda a literatura do Murakami.



Nakata é um senhor de idade que, quando criança, sofreu um acidente terrível que o deixou com uma deficiência mental curiosa. Ele não consegue mais ler ou escrever, e seu raciocínio é limitado, mas ele ganhou a habilidade de conversar com gatos. Ele viveu uma vida simples como carpinteiro, contando com ajuda financeira dos irmãos e do governo. Agora que é aposentado, Nakata gasta seus dias vivendo de forma extremamente simples e procurando gatos perdidos. Ele é conhecido em seu bairro por sempre ser capaz de encontrar gatinhos que fugiram de casa, e muitas famílias o contratam quando seus bichinhos desaparecem. 



Até que, um dia, Nakata é contratado para encontrar uma gatinha chamada Goma. Goma desapareceu há alguns dias e duas crianças estão doentes por causa do desaparecimento. Os pais das meninas contratam Nakata, e ele aceita o trabalho com prazer. O problema é que, ao conversar com os gatos da vizinhança, Nakata parece ter se deparado com um mistério terrível: um homem de vestimentas curiosas tem sequestrado gatinhos de rua para fazer alguma espécie de crueldade. Segundo uma gatinha siamesa, Goma foi levada por esse homem.



Nakata é obstinado e decide encontrar o tal homem das vestimentas curiosas. Ele de fato acaba encontrando esse homem – que é uma das personagens mais curiosas e sem noção sobre a qual já li, mas não vou dar spoiler – e acaba se envolvendo numa trama misteriosa envolvendo uma roadtrip com um caminhoneiro e uma pedra de abertura, seja lá o que isso for.



“Pois saiba que eu gosto de gente diferente – disse o motorista. – Acho que, hoje em dia, é preciso desconfiar das pessoas que vivem normalmente nesse mundo”. – Capítulo 20.



O que mais me chamou a atenção nessa história é o fato de que Kafka e Nakata não têm absolutamente nada a ver um com o outro. Suas histórias mal se conectam, mas ainda assim eles parecem ser faces diferentes do mesmo aspecto.



Kafka é um garoto prodígio de 15 anos que lê muito, é extremamente corajoso e faz de tudo para fugir de seu destino. Nakata é um idoso deficiente que se encontra numa trama terrível por causa de sua bondade, e tem que seguir por um caminho que não quer para impedir que coisas mais terríveis ainda aconteçam. Enquanto Kafka foge de seu destino por vontade própria, Nakata corre em direção a ele sem ter escolha.



Ler Kafka à Beira Mar é quase como ler sobre o sonho de uma pessoa. Apesar de seguir uma lógica interna, a história não faz sentido. Uma das coisas que meu professor de literatura da faculdade mais falava é que as histórias não precisam ser verdadeiras, apenas verossímeis. Claro que dragões não existem, mas eles fazem sentido no universo de Game of Thrones e, por isso, a história é verossímil. Mas esse livro brinca com o oposto disso. A cada capítulo nossas personagens são introduzidas a situações cada vez mais absurdas, algumas cômicas, outras muito estranhas, a maior parte sem o menor sentido. Não são verossímeis, mas seguem uma lógica. Isso fez a experiência de leitura ser muito única.



O livro também é rico em simbolismos. Enquanto o pai de Kafka é visto como uma figura terrível e quase diabólica, a ideia de sua mãe é revestida de pureza e bondade. Como sua mãe esteve ausente durante toda sua vida, Kafka apenas demonstra elementos da personalidade do pai – apesar de ser controlado, Kafka tem um ideal violento dentro de si e da forma como ele encara o mundo.



Mas, como eu disse, o livro não é perfeito. Acho que o livro é longo demais. O Murakami poderia ter retirado alguns capítulos e o livro não perderia em nada seu sentido. Por exemplo, há diversos capítulos de Kakfa em que ele apenas fala de livros que ele leu, e capítulos de Nakata em que ele narra sua rotina de forma repetitiva. Esses capítulos não acrescentavam muito à história e deixavam a narrativa tediosa. Claro que isso era esporádico, e não afetou demais minha opinião final sobre o livro.



Pior que isso eram as cenas de sexo. Murakami é conhecido por escrever cenas de sexo estranhas e exageradas, mas esse livro extrapolou as barreiras. Compreendo que as cenas eram necessárias – quem diria, cenas de sexo que não são puro fanservice! – mas eu me sentia genuinamente constrangida lendo elas, principalmente em público. Lembro que li uma determinada cena de sexo na fila da lotérica e fiquei tentando esconder meu celular para ninguém espiar o que eu estava lendo.



Enfim, essa resenha está muito maior do que eu imaginava. Espero ter traduzido bem minha opinião sobre a história. Mesmo não sendo um livro perfeito foi uma leitura muito boa, que me levou numa jornada muito prazerosa. Terminei de ler um livro com um desejo de querer ler mais, mesmo o livro sendo tão longo.

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É isso por hoje, galeres! Espero que tenham gostado do post. Já leram algum livro do Murakami? Tem interesse em ler? Deixe sua resposta nos comentários, e até o próximo post!


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