domingo, 7 de junho de 2020

Análise de 1984, de George Orwell


Olá, pessoal! Turu pom?

Hoje trago para vocês a PROMETIDÍSSIMA análise do livro 1984! Eu li este livro pela primeira vez quando tinha 15 anos, e decidi relê-lo em março desse ano, quando a quarentena começou. Demorei dois meses para conseguir juntar todos os pensamentos que eu queria sobre este livro, mas acho que a espera valeu a pena. A análise ficou bastante completa, e creio que falei tudo que eu gostaria de expressar.


Ah, eu estou usando um novo editor de vídeo! Dá para ver a diferença na edição deste vídeo para os antigos do canal? Me contem o que acharam!

Se cuidem, usem máscara e babam muito líquido.

Um beijo e um queijo, e até o próximo post! =D


Eu quando leio qualquer notícia
sobre o Biroliro e cia.

Daqui para baixo deixei a versão escrita da análise, para quem quiser ler!

Muito se fala sobre a forma como histórias começam. É interessante pensar que 1984 começa com o personagem principal, Winston Smith, comprando ilegalmente um caderno. Talvez dizer que esta foi uma ação ilegal seja exagero, uma vez que, no mundo da Oceania, não existem mais leis.
Bom, talvez eu esteja me adiantando um pouco. Se devemos começar as histórias pelo seu início, talvez eu devesse falar que esta não foi a primeira vez em que li 1984. Quando eu era uma adolescente de 15 anos, lembro-me de ter visto este livro na biblioteca da escola. Era a mesma edição, com a mesma capa, mas não era este livro que tenho em mãos. Fiquei curiosa, já havia ouvido falar do livro, e acabei lendo. Eu sei que a Nathália de 15 anos gostou do livro, por isso acabei comprando uma cópia para mim, mais tarde, mas, ao reler este livro com 23 anos, acredito que o meu eu do passado não compreendeu tão bem como este livro não era apenas uma ficção, mas uma crítica ao passado stalinista e uma profecia do que o mundo moderno viveria.
A Nathália de 15 anos não sabia nada sobre história política, e a Nathália de 23 anos com certeza poderia saber mais sobre a política atual, mas acredito que reler este livro no presente fez com que eu percebesse algo terrível: nós já estamos vivendo em 1984.

PARTE UM: GUERRA É PAZ

“Ao futuro ou ao passado, a um tempo em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam diferentes uns dos outros, em que não vivam sós – a um tempo em que a verdade exista e em que o que for feito não possa ser desfeito”.
A história de 1984 começa quando Winston compra um caderno. Ele compra o caderno para poder escrever um pouco sobre sua vida, quase como se fosse um diário. Ele quer poder tirar seus pensamentos e lembranças de dentro de sua mente, o que é algo extremamente criminoso em sua realidade – ainda que, como já dito, não existam leis.
Winston tem um trabalho um tanto quando peculiar. Ele trabalha no Ministério da Verdade, e sua ocupação é revisar jornais, revistas e anúncios antigos, a fim de fazer com que as informações do passado sempre condiziam com o presente. Por exemplo: se o governo prometeu em fevereiro que daria um quilo de sal para cada família, mas em junho só foi capaz de fornecer meio quilo, Winston precisa alterar todos os documentos do passado que diziam que o governo forneceria um quilo.
“Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado. [...] O passado, pensou Winston, não havia sido simplesmente alterado; na verdade, fora destruído”.
Seu trabalho, em linhas simples, é alterar os registros do passado. Claro que alterar a quantidade de sal a ser recebida parece algo mínimo, mas seu trabalho pode alcançar proporções enormes, como forjar provas de que seu país sempre esteve em guerra com quem até ontem era seu aliado, ou mesmo apagar todos os rastros de existência de alguém que tenha cometido traição.
Imagine a seguinte imagem: você está em frente à televisão. Seu país, a Oceania, está em guerra com a Lestásia desde antes de você nascer. No entanto, hoje a televisão anuncia que tudo não passa de um equívoco, e que seu país é aliado da Lestásia. A guerra é contra a Eurásia. Você pega um jornal de dois meses atrás, e jura que um dia ele disse que a guerra era contra a Lestásia, mas hoje ele diz que a guerra é contra a Eurásia. A guerra sempre foi contra a Eurásia, mesmo que até ontem isso não fosse verdade.
Você conseguiria ignorar esse fato? Você sabe que aquilo aconteceu, mesmo que o contrário esteja sendo anunciado bem aqui, por meios supostamente oficiais, registrado em materiais supostamente confiáveis.
Você conseguiria ignorar esse fato?
Esta técnica, dentro do livro, é chamada de duplipensamento. O que é isto?
Antes de tudo, precisamos compreender algo chamado novafala. Sim, tudo junto! A novafala era o idioma oficial da Oceania, e seu objetivo era criar um tipo de idioma que modificasse a forma como pensamos, para que os pensamentos das pessoas da Oceania fossem adequados ao Socing – o socialismo inglês.
Já deu para entender que, comumente, a novafala junta duas palavras e cria um novo termo. Duplipensamento, novafala, socing... São apenas alguns exemplos.
No início do livro, porém, a novafala ainda não é 100% difundida. Apenas os acadêmicos e pessoas que trabalham ativamente com a mídia são fluentes nesse idioma.
“Você não vê que a verdadeira finalidade da novafala é estreitar o âmbito do pensamento? No fim, teremos tornado o pensamento-crime literalmente impossível, já que não haverá palavras para expressá-lo”.
De forma simplificada, o grande objetivo final da novafala era o de inviabilizar todo tipo ou forma de pensamento complexo e/ou crítico. Uma vez que a novafala fosse adotada por todos os cidadãos da Oceania, ninguém mais seria capaz de ter pensamentos “hereges”, pensamentos contrários ao governo, ou mesmo meros pensamentos críticos ou dúvidas. A novafala iria, de forma última, eliminar totalmente a liberdade de pensamento e expressão. Você não pode questionar nada se a sua gramática, a lógica da sua mente, funciona de forma a apenas reproduzir e aceitar o que é pré-estabelecido. Desta forma, controlando tudo o que pode ser dito e pensado de forma tão opressora, é impossível questionar ou buscar a verdade ou a realidade de qualquer coisa. A realidade existe tão somente na mente humana e, se a mente humana pode ser moldada a pensar de determinada maneira, a realidade dela será subjetiva. A realidade será... alternativa.
Vamos voltar um pouco. Estávamos falando de como uma pessoa pode aceitar como verdade um fato que vai 100% contra tudo que ela conhecia como verdade até aquele momento. Como meu país pode estar em guerra com um país que sempre foi nosso aliado? E não só em guerra agora, mas desde sempre?
É nessa hora que entra o duplipensamento, que é a capacidade de abrigar simultaneamente em sua mente duas crenças inteiramente contraditórias, e acreditar em ambas conforme for conveniente.
Existe um exemplo simples para este fenômeno. Imagina que você trabalha em uma empresa alimentícia. O slogan da sua empresa é: “Fazemos o melhor doce de leite do Brasil”. Como alguém que trabalha nesta empresa, você concorda e apoia este slogan, aceitando o fato como verdade. Seu gosto pessoal não é importante, apenas o posicionamento da empresa que, consequentemente, também será o seu, uma vez que você é um mero empregado. Porém, um tempo depois, a empresa rival acaba te oferecendo um salário melhor, e você vai trabalhar para eles. O slogan desta vez é: “O melhor doce de leite desde 1912”. Seu gosto pessoal ou seus conhecimentos prévios, novamente, não importam. O que importa é que você deve acatar ao posicionamento da nova empresa. Subjetivamente falando, ambos os slogans estão corretos, ainda que sejam contraditórios.
O problema é que o duplipensamento não existe apenas nas páginas fictícias de 1984, mas está cada vez mais presente na realidade. Ele não se chama duplipensamento no mundo real, mas aparece com outros nomes. Pode ser conhecido como pós-verdade, pode acontecer através de fake news e, claro, é comumente disseminado como história e/ou fatos alternativos.
Você seria capaz de acreditar que a Oceania sempre esteve em guerra com a Eurásia? Seria capaz de esquecer que, até ontem, a guerra era contra a Lestásia?
Você seria capaz de passar a acreditar que a terra é plana, mesmo com centenas de anos de estudo comprovando o contrário? Você seria capaz de afirmar que o nazismo alemão foi um movimento de esquerda, mesmo quando a embaixada alemã afirma que o movimento era de direita? Você seria capaz de negar a efetividade das vacinas, ou de sugerir que elas causam autismo, ainda que centena de estudos que provam o contrário existem?
Talvez você seja capaz. Talvez você se pergunte como é possível que pessoas acreditem nessas coisas. Talvez você se pergunte como um presidente, em meio à pior pandemia dos últimos tempos, pode escalar uma pilha não tão figurativa de pessoas mortas e dizer que tudo não basta de uma gripezinha?
A questão do duplipensamento é que uma pessoa não está simplesmente dizendo o oposto daquilo que pensa, mas pensando o oposto do que é verdadeiro, do que é real, do que é fato. Talvez a questão do bolsonarismo não seja apenas desonestidade intelectual, mas uma real lavagem cerebral em massa.

PARTE DOIS: LIBERDADE É ESCRAVIDÃO

“Ainda nos encontraremos no lugar onde não há escuridão”.
Como toda obra de ficção, 1984 não se apega apenas às críticas que o autor pretendia fazer, mas revela os preconceitos e falhas do próprio.
Um dos autores de posfácio dessa edição, Bem Pimlott, diz que o livro de Orwell é uma “narrativa indecorosa que leva à fantasia adolescente”, e eu não poderia concordar mais. Porém, talvez não da forma como o autor pontua.
Depois que conhecemos um pouco sobre o mundo em que Winston Smith vive e aprendemos sobre o trabalho dele de fabricar dados e alterar os registros do passado, descobrimos que ele tem um enorme desejo por revolução, apesar de acreditar que ela seja impossível. E uma de suas ideias de rebeldia está em cometer pequenas transgressões, como, por exemplo, comprar e manter um caderno clandestino.
Depois de alguns capítulos, Winston conhece Julia, uma mulher bem mais jovem que ele. Ela tem 26 anos, é linda e, aparentemente, acredita na revolução e tem um apetite sexual enorme. É tudo o que Winston sempre sonhou, e eles acabam se envolvendo, ainda que isto seja extremamente proibido, sendo o sexo e o amor ambas coisas extremamente desencorajadas pelo governo da Oceania. Cegados pelo amor, Winston e Julia acabam tentando entrar na Confraria, uma organização secreta que ninguém sequer sabe se existe, mas que supostamente foi criada para reagir ao Grande Irmão, o líder da Oceania.
O primeiro problema do livro é o machismo do autor, que ficou muito presente na relação entre Winston e Julia. Winston é um homem de 40 e poucos anos que se descreve como feio, desdentado, sem qualidades físicas ou mesmo intelectuais. Sua desconfiança do governo se baseia em uma lembrança turva que ele tem de um passado que pode ou não ser real, e sua maior transgressão antes de conhecer Julia é comprar um caderno e um peso de papel brilhante.
Ao conhecer Julia, Winston conhece a mulher perfeitamente romantizada que deveria ter ficado presa nos poemas árcades. Julia é jovem – bem mais jovem do que ele –, é belíssima, tem um apetite sexual voraz, odeia o amor e, é claro, parece ser intelectualmente superior. O típico “diferente das outras garotas”, mas oferecido por um escritor masculino.
Logo após conhecer Julia, Winston e ela vivem momentos calorosos de paixão sexual, e ele usa seu corpo de forma indiscriminada. As cenas não são descritas, pois este não é um livro erótico, mas o status do romance entre os protagonistas fica claro desde o início: Julia e Winston não são amantes destinados, mas parceiros sexuais enlouquecidos pela imposição do celibato.
“A relação sexual devia ser encarada como uma operaçãozinha ligeiramente repulsiva, uma espécie de lavagem intestinal. [...] Havia, inclusive, organizações que defendiam o celibato absoluto para ambos os sexos. A intenção do Partido não era simplesmente impedir que homens e mulheres desenvolvessem laços de lealdade que eventualmente pudessem escapar do seu controle. O objetivo verdadeiro e não declarado ela eliminar qualquer prazer do ato sexual”.
Depois de um tempo, no entanto, Winston acaba criando sentimentos por Julia, e decide dividir com ela alguns fatos que ele acha relevantes. Ele conta a Julia sobre sua infância, sobre a possibilidade de sua irmã e mãe terem morrido por conta de um erro seu. Além disse, Winston divide o maior segredo da sua vida: ele acredita ter possuído, por um breve momento, uma prova cabal que destruiria o autoritarismo do Grande Irmão, levando a Oceania à revolução. Mais do que isso, ainda, Winston parece estar animado por poder finalmente se juntar à Confraria, e fazer parte ativamente da mudança.
Julia, no entanto, não parece interessada no passado de Winston, não ligando para o destino terrível de sua família. Ela também não vê importância na prova que Winston obteve brevemente, demonstrando que, apesar de odiar o Grande Irmão, ela ainda vive na ilusão criada por ele. Principalmente, Winston acaba julgando Julia como uma rebelde sem causa, por ela não levar a Confraria tão a sério.
Me senti incomodada ao ler alguns trechos entre Winston e Julia, pois senti que o machismo do autor ficou muito presente nesses trechos. Tive a impressão de que Julia só servia para Winston enquanto amante sexual idealizada, como um pedaço de carne, de fato, e que ela perdeu seu valor ao se revelar uma pessoa real, com seus pensamentos, crenças e críticas. Pior: ele a considerava inferior por fazer justamente a mesma coisa que ele vinha fazendo o tempo todo – arranjando um jeito de sobreviver e manter a sanidade em meio a esse mundo louco.


PARTE TRÊS: IGNORÂNCIA É FORÇA

“A heresia das heresias era o bom senso. E o aterrorizante não era o fato de poderem matá-lo por pensar de outra maneira, mas o fato de poderem ter razão. [...] Liberdade é a liberdade de dizer que dois mais dois são quatro. Se isso for admitido, tudo o mais é decorrência”.
O grande momento do livro vem depois de sua metade. Já conhecemos Winston e seu trabalho no Ministério da Verdade. Sabemos que as notícias e os fatos são manipulados pelo Grande Irmão. Sabemos que Winston acredita na Confraria, uma sociedade secreta que luta contra o Grande Irmão. E, por fim, sabemos que ele e Julia conseguem entrar para esta organização.
Porém, qual é o grande crime de Winston? Ele, por acaso, faz algo ativamente contra o governo? Ele para de alterar o passado, criando assim um rastro de provas contra o Grande Irmão? Ele faz uma revolução agressiva e armada contra aqueles que trabalham no alto escalão. Ele incita as massas contra o Grande Irmão?
Não. Winston não faz nada disso. Seu grande crime é o crimepensar, uma palavra em novafala que designa qualquer tipo de pensamento contrário aos ideais do Grande Irmão.
É claro que é difícil prender e torturar uma pessoa por seus pensamentos. Afinal, nossos pensamentos existem apenas dentro de nossas mentes. No entanto, desde o início do livro, Winston deixa um rastro de crimepensares: ele compra um caderno, no qual escreve sobre seu ódio contra o Grande Irmão. Ele se apaixonada por uma mulher e faz sexo com ela, algo extremamente desencorajado pelo governo. Pior: ele compartilha informações confidenciais com ela em voz alta.
Eventualmente, e isso não deve ser surpresa para ninguém, Winston é pego pela Polícia das Ideias, aqueles responsáveis por encontrar e punir os criminosos do pensamento. Quando Winston e Julia são presos, ele promete:
“Eles podem fazê-la dizer qualquer coisa, mas não podem fazê-la acreditar nisso. Confissão não é traição, pois o que você diz não importa: o importante são os sentimentos. Mas se eles conseguirem me obrigar a deixar de amar você... Isso, sim, seria traição”.
Preso pela Polícia das Ideias, Winston não será julgado, não será interrogado. O objetivo do Ministério do Amor, como é chamado o ministério responsável por lidar com os criminosos do pensamento, é expugnar todo tipo de pensamento ou ideal contrário ao que é recomendado pelo Grande Irmão.
“Podiam arrancar de você até o último detalhe de tudo o que você já tivesse feito, dito ou pensado; mas aquilo que estava no fundo de seu coração, misterioso até para você, isso permaneceria inexpugnável”.
No final do livro, Winston é devidamente torturado. Apenas confessar seus crimes, porém, não é o suficiente. Não basta dizer que ele manteve relações sexuais com Julia, mas ele precisa aprender a odiar ela e seu corpo, tudo que sua feminilidade representa. Não basta dizer que ele obteve uma prova contra o Grande Irmão, mas ele precisa convencer a si mesmo que tudo não passou de um mal entendido. Não basta dizer que ele desconfiou de que a Oceania esteve em guerra com outro país e era aliada de outro, mas ele precisa acreditar que estava errado e que o Grande Irmão estava certo.
Como disse no início dessa resenha, muito se fala sobre como as histórias começam. No entanto, acredito que o final deste livro é muito mais importante que o seu começo. Winston começa o livro comprando um caderno num dia frio de abril, e termina o livro percebendo que ele ama o Grande Irmão. Um homem que tinha desejo de revolução, que clamava por uma rebelião, foi vencido. Não importa se dois mais dois são quatro: ele precisou se convencer de que dois mais dois são cinco, sempre foram cinco e sempre serão cinco, até o dia que deixarem de ser.
“Como um homem pode afirmar seu poder sobre outro? Fazendo-o sofrer. Poder é infligir dor e humilhação. Poder é estraçalhar a mente humana e depois juntar outra vez os pedaços, dando-lhes a forma que você quiser. [...] Se você quer imaginar o futuro, imagine uma bota pisoteando um rosto humano – para sempre”.
Quero terminar esta resenha com uma citação deste livro que sempre é citada de forma positiva, quase juvenil. Mas quero citar esta frase tendo em mente de que, para mim, ela significa algo extremamente sombrio: “Os melhores livros, compreendeu, são aqueles que lhe dizem o que você já sabe”.

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