quarta-feira, 8 de julho de 2015

Matutando #11 - A dor da perda das coisas que nunca tivemos



Foi estranho chegar em casa e não ver a caminha dele no canto da cozinha. Nenhum jornal espalhado pelo chão do banheiro. A casa parecia mais fria, mais escura. Faltava alguma coisa no ar.

A primeira noite sem ele em casa não foi no dia em que ele morreu. 

Naquele dia, o dia em que ele nos deixou, eu o vi de manhã antes de sair de casa. Deveria ter ficado, deveria ter pegado ele no colo. Deveria ter deixado ele ficar deitado no meu colo o tempo que ele quisesse. Deveria ter feito mais carinho nele. Deveria ter brincado mais, deveria ter olhado mais para ele. Mas eu sai. E só voltei depois de horas.

Nos últimos momentos em que eu o vi, ele estava com a cabecinha para fora da caminha. Encarava o chão, mas sem ver nada. Parecia estar tentando dormir, mas ao mesmo tempo parecia desesperado para permanecer acordado.

A última vez que o vi foi em meio a gritos. Foi em meio à pressa de tentar fazer alguma coisa. De ajudá-lo, de impedir que o pior - o inevitável - acontecesse. Foi a última vez que eu o vi, e eu não o abracei. Não fiz carinho em seu pelo macio. Não vi o rosto dele, e ele não viu o meu.

Ele se foi antes que eu pudesse ter certeza de que ele era meu.

Nunca mais o vi.

Hoje foi estranho chegar em casa e não ter a cama dele novamente em seu lugar característico. De alguma forma, era como se eu soubesse que aquilo viraria rotina, a pesar de não querer. A cama dele não existia mais. As roupas dele já não existiam mais. Não haviam mais jornais, nem pelos, nem xixi no tapete. Não havia mais nada.

Quando o vi pela primeira vez, meus olhos se encheram de lágrimas. Ele andava cambaleando enquanto um veterinário tentava cortar suas unhas. O abracei, e não consegui sentir seu cheiro pois eu estava de nariz entupido. Seu pelo era ralo e ele estava cheio de carrapatos.



Ele queria ficar no nosso colo o tempo todo. Por ele, jamais sairia de perto de nenhum de nós. Sentava nas posições mais estranhas, se não no nosso colo, nos nossos pés, deitava nos nossos ombros e em nossas mãos, para que não usássemos o celular nem o computador. Queria carinho. Mais nada.

Quando o deixamos sozinho para dormir na primeira noite, ele não parava de chorar. Gemia alto e batia na caixa com as patinhas. Dormi com ele na primeira noite, mesmo estando doente. Dormi na sala, usando um cobertor apenas, mesmo estando frio. Ele acordava de meia em meia hora, e eu também. Colocava as patinhas sobre a minha barriga e se espreguiçava. Toda hora queria ficar de pé, mas o cobertor era muito escorregadio. Precisei chamar minha mãe para poder dormir um pouco naquela noite.

Era um cachorro incrivelmente inteligente. Logo aprendeu seu nome: Spock/Spoke. Olhava para nós quando o chamávamos. Suas orelhas ficavam de pé, ele tremia todo sobre suas patinhas. Sabia fazer xixi no jornal - a pesar de gostar de fazer xixi nos tapetes, também. Sempre procurava sua caminha para deitar, e sempre sabia onde encontrá-la.

Sempre nos seguia pela casa para onde quer que fossemos. Quando estávamos comendo, tentava escalar pelas nossas pernas e deitar no nosso colo, mas era muito pequeno. Teve dificuldade para subir as escadas no começo, mas não demorou para aprender. Se saíamos de um cômodo, ele nos seguia. Se não podíamos ficar com ele no colo, ficava nos seguindo com seus olhinhos.

Foi um pouco menos de um mês que passei com ele, mas poderia ter sido uma década que teria sentido a mesma coisa. Foi o meu primeiro cachorro, meu primeiro bichinho de estimação. Ele estava muito doente, já tinha vindo de um lugar não tão legal e nós sabíamos que ele poderia morrer. Mas um cachorro é parte da família, e nós não desistimos da família.

Um dia vou te ver de novo, Spock. No céu dos cachorros? Não sei, pode ser. Onde quer que seja, prometo que vou deixar você ficar no meu colo o tempo que quiser. Prometo. 

Seja corajoso, Spock.


6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Acho que nunca comentei aqui antes, mas achei necessário comentar porque tive e ainda tenho o mesmo sentimento que você está tendo agora. Sinto muito por você e a dor que sua família deve estar sentindo.
    Eu e a minha família ficamos péssimos com a infeliz morte da minha gatinha Nina, mas ela deixou "partes" dela conosco, 5 lindos filhotes lindos. E eu que pensei que fiquei tão pouco tempo com ela, um pouco mais de ano, mas vejo que ainda foi muito em comparação a você.
    O sentimento do qual eu falo que é recíproco, é do arrependimento de não ter aproveitado o tempo para ficar mais tempo com a minha gatinha. E olha que eu tinha tempo, mas eu não fiquei com ela o suficiente, nem quando ela esta boa ou doente próxima da morte.
    Não vou contar muito(se bem que acho que isso já é muito) porque se não será muita coisa e você pode achar chato, mas acho que é o que eu queria comentar com você.
    Fora desse assunto um pouco, espero não estar sendo inconveniente... Eu gosto muito de seu blog e de você. Adoraria ser sua amiga, você parece ser bem legal ^-^ Vou tentar comentar aqui mais vezes ;)
    Forças aí. Beijos!

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    1. Oi Letícia!
      Muito obrigado por acompanhar o blog, por comentar e pelo apoio <3
      Fiquei muito comovida com a história da sua gatinha, acho que só quem passa por isso pode entender completamente como é. Muita força para você, e pode ser minha amiga sim hahaha XD
      Beijos!

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  3. Eu também fiquei muito triste com o morte do Spock, apesar de ter tido apenas um contato com ele. Ele era tão meigo e passava uma coisa boa pra gente. Tão humilde tão singelo , um ser especial realmente. O amor é uma coisa que transcende a espécie, nos eleva e nos faz crescer espiritualmente. Que Deus a console diante dessa perda e que o amor que ele despertou em você seja uma fonte inesgotável de carinho por todos os seres viventes desse planeta. Bj, meu anjo!

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  4. Chorei rios lendo esse texto.Mas lembre-se que esse tempo que voce passoy com ele foi muito especial.Mesmo sendo pouco tempo,tenho certeza que nem voce nem ele esqueceram.Ele deve estar brincando feliz no ceu. ;)

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Então, seje feliz e comente o que quiser! Só não vale ser preconceituoso, postar conteúdo indevido ou me encher de spam (eu tenho lotes para capinar, sabia?).
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