sábado, 21 de janeiro de 2012

Estatísticas desfavoráveis

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- Que é isso, menina!? Tá lendo a Bíblia?
Desviei meu olhar para meu avô. Ele estava parado, encostado na porta, devolvendo uma lista telefônica ao lugar. Não pude deixar de notar que me olhava com um olhar de total desentendimento.
Puxei meu marca-páginas velho e amassado e marquei o livro. Fitei a capa por alguns instante: A Guerra dos Tronos. Era uma capa escura, mostrava alguns cavaleiros em frente à uma muralha, cercados de neve. O título branco contrastava com o fundo negro. Tinha um leve relevo. Passei a mão. Era muito gostoso.
- Não é a Bíblia - respondi, olhando-o novamente.
- Crê em Deus pai, que tamanho de livro é esse? - ele aproximou-se e puxou o livro de minhas mãos. Sua boca enrugada transformou-se uma linha desaprovadora, lendo o título num sussurro mau humorado. Abriu numa página qualquer e deparou-se com uma letra minúscula - Como você consegue ler uma letra desse tamaninho? 
Ele puxou os óculos teatralmente e os colocou, como se fosse examinar um cristal: - Nem de óculos em enxergo essa letrinha! Você vai acabar ficando cega - alertou-me.
Fitei meus óculos em cima de uma pilha de outros livros. Eu só o usava para o computador, não para ler. Depois de ler o livro A Sociedade da Caveira de Cristal, sentia que tinha que o contato de livro-leitor tinha de ser feito diretamente dos olhos às páginas. Se não fosse assim, era como se o livro não houvesse sido lido.
Meu avô acompanhou meu olhar e viu a pilha que trazia mais cinco livros. Ele me devolveu A Guerra dos Tronos e andou impacientemente até a pilha. Examinou a capa, o título e a contracapa de cada um dos livros. Depois de terminado o exame, ele voltou seus olhos castanhos para mim: - Por que ler tanto?
- Tento melhorar a reputação do nosso país.
Uma de suas sombracelhas grisalhas se levantou; a outra, se abaixou: - Em que sentido?
- Veja bem, vô: a média no Brasil de livros por habitante é de 2,3 livros. Mas é claro que esse não é um valor exato, pois no Brasil há muitas bibliotecas. Aqui mesmo, em Cambuí, tem a biblioteca municipal, que é enorme e tem muitos livros, e aqui tem quatro escolas públicas. Cada uma dessas escolas públicas, além dos livros didáticos, traz muitos livros para leitura.
"Por isso eu ignoro esse tipo de estatística e te exponho a minha estatística: duas em cada 100 pessoas gosta de ler.
- Claro que não...
- Espere eu terminar. Quando eu digo que gostam, significa que leem, ao menos, um livro por mês. Então isso significa que, juntas, essas duas pessoas leem 24 livros. As demais 98 pessoas, por exemplo, leem um livro por ano. Isso se elas leem, é claro. Isso significa que a média de livros lidos pelos brasileiros é de 1,2 livros. Como eu, e outras pessoas, julgamos que esse é um índice muito baixo perto de outros países, decidimos mudar isso drasticamente. Ao invés de lermos 24 livros ou um número próximo desse, nós lemos 100 livros por ano. Assim sendo, a média aumenta de 1,2 para 2,2. Não parece um aumento grande, mas é. Como não sou apenas eu que lê muitos livros, acho que essa média é quase a correta. Assim, a massa de brasileiros que passa a maior parte do tempo em frente à televisão sem ler nada é, aos poucos, encoberta por pessoas que se preocupam em ter algo além de músculos dentro da cabeça, como um cérebro, por exemplo.
- Mas, como você disse, vocês são cerca de 2 em 100.
- Eu sei. Não minto dizendo que iremos ter sucesso em breve, mas acho que, a longo prazo, ensinaremos nossa nação a ler.
- Nesse caso, boa sorte.
Meu avô ia sair do quarto, mas desistiu.
Ele se sentou ao meu lado na cama e disse algo que eu nunca esquecerei:
- É por isso que eu digo que a juventude ainda não está perdida. Tenho orgulho de você. Continue aumentando as estatísticas.